O Governo Cabral, no estado do Rio de Janeiro, mais uma vez
trata a questão social como questão de polícia, na ação de despejo da Aldeia
Maracanã. É a Copa do Mundo higienista com os pobres e racista com os índios. O
histórico Museu do Índio dando lugar a um "Museu Olímpico", o que
demonstra bem quais são as prioridades dos megaeventos. Uma aldeia sendo
destruída, e o que oferecem aos índios são uns lotes precários ou, pasmem,
moradia em hotel! E ainda teve quem disse: "mas os índios e indigenistas
são inflexíveis, não aceitam nenhum acordo"... Até mesmo parlamentares
apanharam: o governo Cabral surpreendendo cada vez mais ao extrapolar
limites.
"Cada vez que se comete um ato de violência que coloca
em risco a integridade de um grupo social indígena, se esfacela sua cultura,
seu modo de vida, suas possibilidades de expressão. É uma porta que se fecha
para o conhecimento da humanidade, como dizia Levi-Strauss. É essa a Copa do
Mundo que o governo quer fazer?". O comentário é de Fernanda Sánchez,
professora da Universidade Federal Fluminense – UFF, em artigo publicado no
jornal Brasil de Fato, 22-03-2013.
Eis o artigo.
Nesta sexta-feira, o Batalhão de Choque da Polícia Militar
invadiu a Aldeia Maracanã, antigo Museu do Índio, e agiu com extraordinária
truculência. Os policiais jogaram bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo, gás
pimenta, bateram nos manifestantes e prenderam ativistas e estudantes. A Aldeia
estava ocupada desde o ano de 2006 por grupos representativos de diferentes
nações indígenas que, nos últimos tempos, diante do projeto de demolição do
prédio (para aumentar a área de dispersão do Estádio do Maracanã,
estacionamento e shopping), vinham resistindo.
As lideranças indígenas são apoiadas por diversos movimentos
sociais, estudantes, pesquisadores, universidades, comitês populares,
organizações nacionais e internacionais de defesa dos Direitos Humanos, redes
internacionais e outras organizações da sociedade civil. A luta dos índios e o
conflito estabelecido entre o governo e o movimento resultaram num importante
recuo do governo, que diante da pressão social desistiu da demolição do prédio
e passou a defender a sua “preservação”. A desocupação do prédio foi decretada,
com hora marcada. Os índios, no entanto, continuaram a resistir, apoiados por
diversas organizações.
Certamente essa posição política ensina
muito mais aos cidadãos cariocas e ao mundo sobre preservação, direitos e
cidades do que as violentas ações que vêm sendo mostradas nos diversos meios.
Para os índios e para as organizações que os apoiam, preservar o prédio vai
muito além de preservar sua materialidade. A essência da preservação, neste caso
como em muitos outros, está na preservação das relações sociais, usos e
apropriações que lhe dão sentido e conteúdo. Seria um exemplo para o Brasil e
para o mundo a preservação da Aldeia Maracanã, o reconhecimento de seu uso
social e a pactuação democrática acerca da reabilitação arquitetônica do
edifício.
Cada vez que se comete um ato de violência que coloca em
risco a integridade de um grupo social indígena, se esfacela sua cultura, seu
modo de vida, suas possibilidades de expressão. É uma porta que se fecha para o
conhecimento da humanidade, como dizia Levi-Strauss. É essa a Copa do Mundo que
o governo quer fazer? É esse espetáculo da violência, a lição civilizatória que
o Rio de Janeiro tem para mostrar ao mundo? A política-espetáculo tem um efeito
simbólico: mostrar que o avanço do projeto de cidade, rumo aos megaeventos
esportivos, será feito a qualquer custo.
Direitos humanos, democracia e pactuação estão fora da
agenda deste projeto de cidade. Os manifestantes, em absoluta condição de
desigualdade frente à força policial e seu aparato de violência, lançaram mão
de instrumentos bem diferentes daqueles utilizados pelo Batalhão de Choque:
ocuparam o prédio para apoiar os índios, resistiram à sua desocupação e
manifestaram, no espaço público, nas ruas e avenidas do entorno do complexo do
Maracanã, sua reprovação e indignação frente à marcha violenta desta política.
E mais:
Clique no link abaixo e assista o vídeo da Asduerj com
diversos relatos acerca dos acontecimentos:
Massacre Aldeia Maracanã
*Retirado do IHU Online
**Republicado no blog da Frente
Nacional contra a Privatização da Saúde em 24/03/2013